segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

CONSUMIDOR À DERIVA – TARIFA DE CADASTRO E SEGURO PROTEÇÃO FINANCEIRA


            Por Kamila Michiko Teischmann

Em vários momentos os questionamentos acerca da “superproteção” dada ao consumidor pelo Código de Defesa do Consumidor podem parecer compreensíveis, contudo, como sempre, o legislador não sem motivo preponderou para o lado hipossuficiente da relação, que é nitidamente o consumidor, e não é crível que se aponte o contrário.
Outro dia me dirigi à determinada concessionária de veículos para questionar uma taxa de cadastro e outra de seguro de proteção financeira, que vieram descritos em nota fiscal, após a compra do veículo.
Inicialmente, vamos analisar a Taxa de Cadastro (TC) ou Taxa de Aberta de Crédito (TAC).

Em novembro de 2010 o BACEN regulou a cobrança de tarifas bancárias através da Res. nº 3.919, que entrou em vigor em março de 2011. No seu art. 3º está prevista a cobrança de tarifa de cadastro (TC) nas situações em que estejam presentes, entre outros fatos geradores, a realização de pesquisa em serviços de proteção de crédito, base de dados e informações cadastrais necessários ao início do relacionamento decorrentes, entre outros, da contratação de operação de crédito ou de arrendamento mercantil, como é o caso do financiamento de veículos, sendo proibida a cobrança cumulativa.[1]

Podemos concluir, de pronto, que, dentre outros custos, a TC serve, precipuamente, para analisar a vida financeira do consumidor, se este preenche o mínimo de credibilidade para financiar seu veículo.
Ora, tal prática é um ônus da empresa a fim de se resguardar, pois, caso quisesse de fato apenas repassar esses custos, solicitaria uma lista de documentos a serem apresentados pelo consumidor, como fazem outros órgãos. E ainda que se pugnasse pela legalidade dessa taxa (o que julgo ser uma irresponsabilidade), a segurança financeira que procura o concedente de crédito não pode ser repassa ao consumidor de forma obscura, haja vista que não é de todo transparente tal repasse, onde não são estipulados que tipo de serviços foram de fato realizados e, ademais, a consulta aos cadastros de proteção ao crédito, por vezes, não trazem ônus individuais já que pagam mensalidades para que possam pesquisar a situação de seus possíveis clientes.
Nesse passo, pode-se, tranquilamente, afirmar que no caso da cobrança da TC não há contraprestação alguma, ferindo os preceitos fundamentais de uma relação de consumo, onde só se deve pagar por algum produto ou serviço efetivamente prestado ao consumidor e, no caso em tela, o serviço está sendo prestado unicamente à financiadora.

A cobrança de toda e qualquer tarifa pressupõe a contraprestação de um serviço, o que não ocorre neste caso, já que não existe um serviço prestado ao consumidor, mas, sim, um serviço prestado à própria instituição financeira e em seu interesse único.[2]

Esclarece ainda a Ilustre Presidente do PROCONBRASIL, Gisela Simona:

O posicionamento público dos Procons quanto à ilegalidade dessa tarifa de cadastro é de extrema importância, visto que muitos consumidores estão pagando esses valores, em especial, nos contratos de financiamento de veículos. Os Juizados Especiais de todo País concordam com nosso posicionamento, pois a legislação que visa a proteção do consumidor prevalece sobre normas internas do Banco Central.[3]

Pois bem. Superada a breve análise acerca da TC, passamos a analisar o Seguro de Proteção Financeira – SPF, na prática.
Apesar de o SPF ser facultativo, o que se verifica é que na verdade se trata de venda casada, isso porque as financiadoras condicionam o oferecimento de taxas “convenientes” de juros à aderência desse seguro, que denominam como um “benefício”. Assim, só garantem taxa de juros a menor se o consumidor aderir ao SPF.

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

Não se pode camuflar tal prática com outra denominação que não seja a venda casada, pois, além de ilegal, seria desleal com o consumidor e um verdadeiro “faz de conta”, tornando obscura a real intenção do comerciante.
O termo venda casada quer em sua essência vedar o consumo/aderência forçada a um produto ou serviço, e o caso em tela impinge o consumidor a aderir tais práticas.

O QUE DIZ A LEI: A Venda Casada é expressamente proibida pelo Código de Defesa do Consumidor - CDC (art. 39, I), constituindo inclusive crime contra as relações de consumo (art. 5º, II, da Lei n.º 8.137/90).
A Lei 8.137 / 90, artigo 5º, II, III tipificou essa prática como crime, com penas de detenção aos infratores que variam de 2 a 5 anos ou multa.
E a Lei 8.884 / 94, artigo 21º, XXIII, define a venda casada como infração de ordem econômica. A prática de venda casada configura-se sempre que alguém condicionar, subordinar ou sujeitar a venda de um bem ou utilização de um serviço à aquisição de outro bem ou ao uso de determinado serviço.
Pelo Código de Defesa do Consumidor, a Lei 8078 / 90, artigo 39º, “é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos”.
E pela Resolução do Banco Central nº 2878/01 (alterada pela nº 2892/01), Artº 17, “é vedada a contratação de quaisquer operações condicionadas ou vinculadas à realização de outras operações ou à aquisição de outros bens e serviços”.[4]

  Assim, resta claro a proteção dada por toda a legislação pátria, inclusive, prevendo pena de prisão aos que insistem na prática da venda casada.
Isso sem contar que, caso o consumidor reaja ingressando com ações judiciais, acaba ficando com “restrições” no sistema de informações das empresas e, por essa razão, as operações que forem necessárias, futuramente, são propositalmente dificultadas, quando não, impossíveis de se realizar.
Já que tais práticas são tão evidentes quanto à lesão ao consumidor, por que subsistem? Certamente o quantum despendido com indenizações judiciais é ínfimo perto da lucratividade, ou seja, compensa prosseguir com uma gestão irresponsável e desleal, cerceando o direito de escolha do consumidor que se vê sem saída, à deriva.
Contudo, verdade seja dita, a falta de fiscalização efetiva também contribui com as condutas ilegais, não por vontade dos entes incumbidos de fiscalização, mas pela ausência de investimento de pessoal suficiente para tanto, o que pode ser proposital, já que é interessante para toda a máquina estatal e empresária a lucratividade, haja vista a incidência de impostos e outros benefícios indiretos.
Por fim, a mensagem que fica é de que o hoje consumidor, quando amanhã comerciante, possa recordar seus lastimáveis momentos de opressão e frear os abusos praticados e, claro, que os órgãos competentes possam desencadear operações e agir com afinco para inibir a ocorrência dessas e outras práticas ilegais.



[1] SANTOS, Cristiana. A cobrança da Tarifa de Cadastro nos financiamentos de veículos é legal? Disponível em: http://www.politicalivre.com.br/artigos/cobranca-da-tarifa-de-cadastro-nos-financiamentos-de-veiculos-e-legal/, acessado em 17/12/2012.
[2] SIMONA, Gisela. Taxa de Cadastro. Disponível em: http://www.procon.sp.gov.br/noticia.asp?id=3050 , acessado em 17/12/2012.
[3] Ibdem.
[4] SANTA CATARINA, Procon. Venda Casada. Disponível em: http://www.procon.sc.gov.br/index.php/orientacoes-ao-consumidor/290-venda-casada, acessado em 18/12/2012.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Pagamento feito com cartão de crédito é considerado "à vista"


Por Kamila Michiko Teischmann

Embora o Código de Defesa do Consumidor já esteja em vigor há quase 23 anos, as relações de consumo ainda se mostram demasiadamente distorcidas e propensas a beneficiar a parte hipersuficiente da relação, ou seja, o comerciante.

Quando é afixado o valor de algum produto exposto à venda, por óbvio, o comerciante impinge todos os dispêndios e ônus que suportou nesse valor, chegando a um numerário que lhe seja possível auferir lucro, não importando se foi muito ou pouco, haja vista que esses conceitos são absolutamente subjetivos. O fato é que o lucro é certo.

Desse modo, acompanhando os avanços tecnológicos, notadamente quanto à utilização do Cartão de Crédito, que não traz apenas benefícios ao consumidor, mas também ao comerciante, sendo o maior deles a segurança na venda efetuada, ou seja, o risco de “calote” é ínfimo, sendo possível afirmar, inclusive, que pode ser mais segura a compra via Cartão de Crédito que em dinheiro, tendo em vista a possibilidade de falsificação de moeda, muito embora esteja cada vez mais difícil de se realizar.

Portanto, são incontestáveis os benefícios trazidos também aos comerciantes com a utilização do Cartão de Crédito e, assim como o consumidor que paga anuidade para poder usufruir desse instrumento, o comerciante paga taxas para a utilização da máquina. Logo, ambas as partes arcam com o ônus dessa utilização.

Apesar do exposto, é contumaz a ocorrência de valores diferenciados nas vendas em dinheiro, cheque, cartão de crédito e débito. Aqui, será tratado acerca dos valores diferenciados cobrados quando o consumidor opta pela compra com cartão de crédito.

Alguns descontos são concedidos ao consumidor quando prefere pagar à vista, o que é legal. Contudo, “à vista” seria tão somente os valores pagos em cheque (à vista), dinheiro e cartão de débito? A resposta é negativa, devendo ser incluído nesse rol o pagamento com cartão de crédito, desde que não se trate de compra parcelada.

Isso porque, embora possa trazer a falsa impressão em razão de o dinheiro não ser debitado imediatamente da conta do consumidor de que se trata de compra a prazo, é pacífico o entendimento na jurisprudência quanto a impossibilidade de diferenciação dos preços nas vendas feitas por meio de cartão de crédito, considerando tal meio como pagamento à vista. Nesse passo, vejamos decisão do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

"Está-se, portanto, diante de uma forma de pagamento à vista e, ainda pro soluto (que enseja a imediata extinção da obrigação). O custo pela disponibilização dessa forma de pagamento é inerente à própria atividade econômica desenvolvida pelo empresário e destinada à obtenção de lucro, em nada se referindo ao preço de venda do produto final. Imputar mais esse custo ao consumidor equivaleria a atribuir a ele a divisão de gastos advindo do próprio risco do negócio (de responsabilidade exclusiva do empresário), o que, além de refugir da razoabilidade, destoa dos ditames legais, em especial, do sistema protecionista do consumidor” [1].

Os próprios PROCONs do país vêm buscando esclarecer à população e coibir o comerciante de realizar tal diferenciação. Vejamos:

Segundo o secretário municipal de Defesa do Consumidor, Procon Fortaleza, João Ricardo Vieira, os valores cobrados pelos lojistas devem ser os mesmos para pagamentos em dinheiro ou pelo cartão de crédito. “O valor que o cartão cobra do comerciante já deve estar diluído no preço geral da loja. Ele já deve colocar isso como custo dos produtos”, explica o secretário. “Se você cobra um preço diferenciando no cartão de crédito, do que é cobrado à vista, isso é abusividade”, afirma João Ricardo Vieira. Conforme o titular do Procon Fortaleza, a aquisição de um produto ou serviço, utilizando como forma de pagamento os cartões de crédito ou de débito, é considerada como um pagamento à vista. [2]
Encontramos, ainda, na Portaria 118/94 do Ministério da Fazenda clara proibição a essa prática. É importante observar o ano em que foi expedida a referida Portaria, 1994, e, apesar disso, parece que jamais existiu.

Art. 1º Dispensar a obrigatoriedade da expressão de valores em cruzeiro real nas faturas, duplicatas e carnês emitidos por estabelecimentos industriais, comerciais e de prestação de serviços, representativos de suas vendas a prazo, inclusive para serem liquidados com prazo inferior a trinta dias, observado o seguinte:

I - não poderá haver diferença de preços entre transações efetuadas com o uso do cartão de crédito e as que são em cheque ou dinheiro; e,

Corroborando com esse entendimento, por fim, buscamos guarida na Lei Consumerista, que em seu artigo 39, inciso V, nos diz:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

Aproveitando o ensejo, é importante destacar que condicionar o pagamento no cartão de crédito a determinados valores também é ilegal, não podendo o comerciante limitar os valores para uso dessa forma de pagamento.

A limitação de valores para compras tanto no cartão de débito como de crédito é outra prática que vem sendo denunciada pelos consumidores. O Código, também no artigo 39, estabelece como prática abusiva, “condicionar o fornecimento de produto ou de serviço a limites quantivativos”. Nos dois casos, o fornecedor está sujeito a penalidades previstas no CDC, com emissão de infração e multa[3] .

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

Pelo breve exposto, podemos, com segurança, afirmar que a venda com cartão de crédito é considerada à vista, e dele podendo o consumidor se valer independente do valor da compra, devendo fazer valer seu direito, exigindo que seja cobrado o valor conforme os preceitos legais.



[1] RONDÔNIA, Ministério Público de. Citação da Terceira Seção do STF. Disponível em: http://www.mp.ro.gov.br/web/guest/pagina-inicial/-/journal_content/56/10102/1467856, acessado em 21/01/2013.
[3] PARANÁ, Procon. Disponível em: http://www.procon.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=299, acessado em 21/01/2013.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Abono de férias: direito do empregado ou faculdade do empregador?


Nas relações de emprego talvez um dos momentos mais aguardados pela classe trabalhadora é o das férias. Depois de meses de trabalho árduo, encontram recompensa nos 30 (trinta) dias que podem usufruir de descanso sem prejuízo de sua remuneração e com, pelo menos, 1/3 a mais que o salário normal.

Inicialmente, é importante notar que a regra do “terço constitucional”, como é conhecido, previsto no Artigo 7º, XVII da Constituição Federal, não é restrita a concessão de remuneração de 1/3 do salário, portanto, não se pode conceder menos, mas nada obsta que o trabalhador seja contemplado com valor acima do fixado, o que, infelizmente, é muito difícil ocorrer.

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

Feita essa consideração, passamos a analisar o abono de férias, que, embora também traga a mesma fração do terço constitucional acima mencionado, não é a mesma coisa.

O abono de férias é vulgarmente conhecido como a “venda de 10 dias” dos 30 a que tem direito o empregado para usufruir em forma de férias, e está previsto no Artigo 143 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, vejamos:

Art. 143 - É facultado ao empregado converter 1/3 (um terço) do período de férias a que tiver direito em abono pecuniário, no valor da remuneração que lhe seria devida nos dias correspondentes.
§ 1º - O abono de férias deverá ser requerido até 15 (quinze) dias antes do término do período aquisitivo.
§ 2º - Tratando-se de férias coletivas, a conversão a que se refere este artigo deverá ser objeto de acordo coletivo entre o empregador e o sindicato representativo da respectiva categoria profissional, independendo de requerimento individual a concessão do abono.
§ 3o O disposto neste artigo não se aplica aos empregados sob o regime de tempo parcial.

Da leitura do caput do artigo acima transcrito se pode concluir que a conversão de 1/3 do período de férias, ou seja, a venda de 10 dias dos 30 a que tem direito, é uma faculdade do empregado. Contudo, o parágrafo 1º vem esclarecer quando tal direito é uma faculdade do empregado e não do empregador: quando requerido até 15 dias antes do término do período aquisitivo.

Isso quer dizer que se o empregado fizer o requerimento de conversão de um terço das férias em abono pecuniário até quinze dias antes de completar o período aquisitivo de férias ou no prazo previsto na norma coletiva, *a empregadora estará obrigada a acatar o pedido.*[1]

O próprio Ministério do Trabalho e Emprego em seu site esclarece essa dúvida de forma categórica:
A conversão da remuneração de férias em dinheiro depende de concordância do empregador?
Não. È direito do empregado. Se desejar receber o abono de férias, o empregador não poderá recusar-se a pagá-lo.[2]

É importante elucidar o que vem a ser o chamado período aquisitivo de férias.

O período aquisitivo é o fechamento do ciclo de 01 ano de trabalho para que se possa ter direito de usufruir de suas férias. Por exemplo: um empregado admitido em 02/01/2012 fecha o ciclo de seu período aquisitivo em 01/01/2013, isso porque conta-se 01 ano menos 01 dia. Assim, o período concessivo desse empregado do exemplo acima começa em 02/02/2013, podendo o empregador, conforme melhor lhe convir, conceder as férias a partir desse dia, porque a concessão de férias deve acontecer no período que melhor atenda os interesses do empregador. Isso, contudo, não priva o empregado do direito de optar pela venda ou não dos 10 dias das férias a que tem direito.

No que se refere às férias coletivas, o parágrafo 2º do artigo 143 da CLT nos esclarece que deve ser objeto de acordo coletivo o abono de férias aqui tratado.

Assim, não restam dúvidas que o abono de férias, desde que requerido no período de 15 dias antes do término do período aquisitivo é direito do empregado e não faculdade do empregador, que estará obrigado a “comprar” 10 dias das férias. Caso o empregado não requeira o abono de férias no período determinado passará a ser uma faculdade do empregador a conversão ou não de 1/3 do período de férias em abono.



[1] Disponível em: http://sintpq.org.br/newsletter/abono-pecuni%C3%A1rio-de-f%C3%A9rias-individuais
[2] EMPREGO, Ministério do Trabalho e do. Dúvidas Trabalhistas. Disponível em: http://www.mte.gov.br/ouvidoria/duvidas_trabalhistas.asp , acessado em 26/11/2012.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Lei 12.550/2011 e a Cola Eletrônica

    Em 16/12/2011 entrou em vigor a Lei n° 12.550/2011, que, dentre outras matérias, tratou de acrescentar o artigo 311-A ao Código Penal Brasileiro (CPB), que passou a tipificar o crime de fraudes em certames de interesse público:


Art. 311-A.  Utilizar ou divulgar, indevidamente, com o fim de beneficiar a si ou a outrem, ou de comprometer a credibilidade do certame, conteúdo sigiloso de:    (Incluído pela Lei 12.550. de 2011)
I - concurso público;    (Incluído pela Lei 12.550. de 2011)
II - avaliação ou exame públicos;    (Incluído pela Lei 12.550. de 2011)
III - processo seletivo para ingresso no ensino superior; ou    (Incluído pela Lei 12.550. de 2011)
IV - exame ou processo seletivo previstos em lei:    (Incluído pela Lei 12.550. de 2011)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.    (Incluído pela Lei 12.550. de 2011)
§ 1o  Nas mesmas penas incorre quem permite ou facilita, por qualquer meio, o acesso de pessoas não autorizadas às informações mencionadas no caput.    (Incluído pela Lei 12.550. de 2011)
§ 2o  Se da ação ou omissão resulta dano à administração pública:    (Incluído pela Lei 12.550. de 2011)
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.    (Incluído pela Lei 12.550. de 2011)
§ 3o  Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o fato é cometido por funcionário público. 
(grifo meu).

    Assim, qualquer pessoa que se utilizar, ou seja, tiver de posse de gabarito do concurso, vestibular ou qualquer exame ou processo seletivo previsto em lei, bem como aquele que divulgou o gabarito, respondem pelo aludido delito.


    Insta salientar que em sendo o beneficiário ou divulgador do conteúdo sigiloso funcionário público, incorre também no aumento de pena previsto em seu §3º.
 
    Ocorre que, embora de inquestionável importância a tipificação do delito, quando passamos a analisar o tipo incriminador, a conduta do agente, verifica-se que há uma lacuna que precisa ser preenchida.

    Como se pode depreender da letra da lei, o agente deve ter acesso ao conteúdo sigiloso, deve, portanto, saber das respostas do certame em curso. Isso pode significar que, caso o agente tenha acesso a respostas, por meio de "cola eletrônica", seja por aparelho celular, seja por ponto eletrônico, quando, utilizando-se desses meios entra em contato com terceiro que lhe passa as informações conforme for informando as perguntas, o terceiro não teve acesso a conteúdo sigiloso do certamente antecipadamente ou mesmo no momento em que passa as informações, o agente apenas pesquisa e repassa as informações conforme lhe parecer a alternativa correta.

    Assim, pode-se questionar a tipicidade da conduta para tais casos, em que o agente não tem acesso a conteúdo sigiloso, apenas se utiliza de ardil para se beneficiar. 

    Entendo, portanto, que a norma em questão não poderia ser aplicadas nesse último caso, devendo ser aplicada tão somente quando o agente de fato tem acesso a conteúdo sigiloso fornecido por quem o detenha. Dessa forma, só é possível incorrer no delito caso o terceiro esteja com as respostas/gabarito da prova.
 
    Importante mencionar que, no caso de agente que se comunica com terceiro em busca de respostas e, caso esse terceiro não tenha acesso ao conteúdo sigiloso (gabarito) pode, inclusive, correr o risco de fornecer resposta errada, o que não ocorreria se tivesse de fato acesso a conteúdo sigiloso, pois que este é seguro.

    Dessa forma, mesmo havendo aclamado avanço no campo do Direito Penal quanto à proteção da credibilidade dos certames, haja vista os inúmeros casos de fraudes cabalmente comprovadas por todo o país, a norma penal se mostra lacônica, conforme brevemente ilustrado acima.



sábado, 3 de dezembro de 2011

Uma análise crítica do caso "Champinha"


            Em resumo, o então menor de idade, “Champinha", em novembro de 2003 com alguns comparsas teria assassinado Liana Friedenbach e Felipe Caffé por degolação e um tiro na nuca, respectivamente.
“Champinha" cumpriu sua pena imposta de internação e, após completar 21 anos foi liberado compulsoriamente, conforme art. 212 § 5º do ECA:

Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
§ 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade.

O juiz da Vara da Infância e da Juventude determinou que fosse feito um laudo por psiquiatras forenses do Instituto Médico Legal. De acordo com os especialistas do IML, "Champinha" revelava uma personalidade de grande periculosidade agindo por impulso, sendo, portanto, incapaz de conviver em sociedade. Ao acatar as conclusões do laudo do IML, o juiz ordenou a internação de "Champinha", por tempo indeterminado, na clínica psiquiátrica do Hospital de Tratamento e Custódia, na cidade de São Paulo.
O fato de ter o Magistrado aplicado novamente uma pena, pois não há como definir a nova medida de internação se não como uma pena em razão de já ser o infrator maior de idade, pode ter acarretado no chamado bis in idem, posto que, em regra, ele já teria cumprido sua pena inicialmente imposta e, essa se extinguiu em razão da maioria, o que é expresso no ECA.
No caso em questão, supondo que “Champinha" não tivesse atingido a maioridade, caberia medidas socioeducativas de semi-liberdade ou liberdade assistida, conforme art. 121, §4º do ECA “Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semi-liberdade ou de liberdade assistida”. Porém, esse não foi o caso, o que colocou o Magistrado em situação delicada.
A necessidade de se fazer algo frente a constatação dos especialistas acerca do quadro psicológico do infrator traz importante discussão a tona: seria o caso “Champinha” uma exceção a regra, aceitável?
No caso em baila, diante do comportamento reprovável, dentro e fora do estabelecimento de internação, comprovando que não fora ressocializado, tampouco estando apto a conviver em sociedade de forma a não oferecer riscos, pelo contrário, sendo atestada sua periculosidade, é compreensível que deva haver certa “elasticidade” da lei em vigor para que de fato se faça a tão esperada justiça, muito embora isso custe literalmente ignorá-las.
É fato que, devido aos acontecimentos diários e incidência cada vez maior de crianças e adolescentes no mundo do crime nos faz ansear ainda mais a alteração do ECA, que não vem sendo o suficiente para a inibição e principalmente, para a efetivação de ressocialização do infrator.
Partindo-se da interpretação “fria” da lei, tem-se que o que houve no caso “Champinha” foi uma arbitrariedade, ocorrendo de fato o vedado bis in idem, tendo em vista que sua pena se exauriu, conforme previsto no ECA e, portanto, estando livre de punições duplas por uma única pena.
Contudo, do ponto de vista razoável, e esse certamente deve prevalecer, buscando-se a efetiva realização de justiça, tanto para a sociedade quanto para o próprio infrator, já que esse também deve ser protegido de si mesmo (seus atos), eis que tivemos uma decisão acertada do Magistrado, que decidiu interna-lo por tempo indeterminado em clínica psiquiátrica, onde lá permanece até hoje.
A Constituição de Republica Federativa do Brasil de 1988, vem a calhar para “Champinha”, já que essa indeterminação de sua internação, nada mais é que uma perpetuidade da punição, em ser art. 5º, XLVII, “b’:

XLVII - não haverá penas:
b) de caráter perpétuo;

No entanto, também temos que a segurança pública também é dever do Estado, conforme caput do art. 144 da CRFB. Tudo isso só mostra que a situação tem de fato duas medidas e, no caso em concreto, o interesse social prevalece sobre o privado. Ainda há quem diga que a internação imposta após a liberação compulsória tem caráter civil e não criminal.
Corroborando com a posição de que foi acertada a decisão imposta, temos que, desde que fora proclamada, nenhuma objeção feita foi capaz de derrubá-la, o que prova que não existe outra alternativa mais coerente, tendo em vista a latente falha em nosso ordenamento jurídico para sanar tal celeuma.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Quando a Justiça se torna injusta.

"A dificuldade de interpretação não é desculpa para esperar menos que o razoável para ter justiça digna." Fonte: Folha de S.Paulo, 23/10/2010.

Reza o art. 5.º, LXXVIII da CF que: a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Como é de saber notório, grande parte dos litigios judiciais no país não têm razoavél duração, e não terão enquanto não criar-se uma conscientização do que de fato vem a ser razoável e os motivos pelos quais o judiciário encontra-se tão sobrecarregado.
Ser razoável, apesar de ser um conceito absolutamente subjetivo, é ter o bom senso de analisar até quando a demora da entrega jurisdicional é razoável a ponto de não acarretar outro prejuízo decorrente de sua demora. Creio que ser possuidor de bom senso é algo fundamental ao magistrado, refiro-me ao magistrado, mas ter bom senso nunca será negativo a ser humano algum.
Ser razoável, enfim, é saber diagnosticar quando a busca pela tutela jurisidicional, a busca pela justiça de fato, em razão de sua demora, torna-se injusta. E talvez não há maior contradição que esta.

Outros pontos a serem reconhecidos são, dentre outros, a litigancia de má fé, a falta de diálogo e de civilidade do povo brasileiro, que por muitas vezes procuram o judiciário quando poderiam resolver a questão fora dessa esfera.
Exponho tal posição pelo fato de constatar por exemplo que o Brasil é campeão mundial em demandas trabalhistas. Isso não significa apenas que o empregador não observa a legislação trabalhista, significa também que os empregados estão sempre querendo um algo mais, quando muitas das vezes não possuem  tal direito. Talvez seja resultado da cultura absurda transmitida de querer tirar vantagem de tudo.
Por estes e outros motivos é que se faz a educação social tão indispensável na vida de um povo. 
Denominar-se civilizado não é simplesmente tapar a nudez, ser poliglota e erguer prédios. Trata-se de um conjunto de boas maneiras as quais o cidadão deve seguir, como por exemplo buscar a resolução de seus problemas antes de acionar o judiciário.
Para mudar o coletivo, tem-se que partir do individual, sempre.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O velho menino no "novo" homem.

Li à pouco a respeito da aprovação pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) à ampliações de privilégios aos magistrados. Em consequência da decisão, assim como os membros do Ministério Público, os juízes, que já gozam de dois meses de férias por ano, poderão "vender" 20 dias e embolsar uma quantia considerável a mais por ano.
Liguei o que li imediatamente a um debate de objetivos, digamos assim, proposto em sala de aula certa feita, em que o Professor nos questionou acerca de nossos objetivos e o porquê deles. Ouvi muitos colegas dizerem que querem seguir carreira e serem Juízes, e o motivo? "Pela estabilidade e claro, pelo dinheiro." E o Professor, um tanto quanto insatisfeito nos disse: "O engraçado, não fosse triste, é que ninguém chegou perto de dizer: quero servir meu País, quero fazer justiça, fazer a diferença na vida das pessoas através de minha profissão."  Acredito que não me esquecerei desse dia em sala de aula, onde o Professor tentou nos ensinar algo muito além das matérias acadêmicas.
Ainda mais lamentável é ler o comentário do Presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e notar que alguns pensamentos não evoluem com a idade, com a experiência profissional e a vivência de problemas diários de milhares de brasileiros e ainda sim importar-se mais com o próprio bolso a ponto de esquecer completamente a função de seu cargo, a essência de sua existência e o porquê e para que estar ali.
"Muitos colegas já estavam deixando a carreira pelo fato de os magistrados gozarem de menos prerrogativas do que as carreiras jurídicas e do que os seus próprios subordinados hierárquicos. Há setores da magistratura federal, a exemplo do ocorrido na Espanha e Portugal, que cogitam fazer paralisações ou greve, devido à insatisfação", disse o presidente da Ajufe.
Com toda a certeza os Juízes, devido a posição que ocupam e a importância de sua função, devem gozar de privilégios maiores que os outros. Mas então por que não cortar algumas regalias dos ditos "subordinados" ao invés de aumentar, aumentar e aumentar cada vez mais os privilégios de todos?! Sim, também sei a respeito da irredutibilidade de subsídios e seria bonito e justo, não fosse este o único objetivo de muitos acadêmicos e magistrados.
Dinheiro:  meio usado na troca de bens, na forma de moedas ou notas (cédulas), usado na compra de bens, serviços, força de trabalho, divisas estrangeiras ou nas demais transações financeiras.
Dinheiro, folha de papel pela qual milhares de seres humanos esquecem seus valores morais e esquecem de se perguntarem o porquê e para que vieram a esse mundo.