Por Kamila Michiko
Teischmann
Em vários
momentos os questionamentos acerca da “superproteção” dada ao consumidor pelo
Código de Defesa do Consumidor podem parecer compreensíveis, contudo, como
sempre, o legislador não sem motivo preponderou para o lado hipossuficiente da
relação, que é nitidamente o consumidor, e não é crível que se aponte o
contrário.
Outro dia me
dirigi à determinada concessionária de veículos para questionar uma taxa de
cadastro e outra de seguro de proteção financeira, que vieram descritos em nota
fiscal, após a compra do veículo.
Inicialmente,
vamos analisar a Taxa de Cadastro (TC) ou Taxa de Aberta de Crédito (TAC).
Em novembro de 2010 o BACEN regulou a cobrança de tarifas
bancárias através da Res. nº 3.919, que entrou em vigor em março de 2011. No
seu art. 3º está prevista a cobrança de tarifa de cadastro (TC) nas situações
em que estejam presentes, entre outros fatos geradores, a realização de
pesquisa em serviços de proteção de crédito, base de dados e informações
cadastrais necessários ao início do relacionamento decorrentes, entre outros,
da contratação de operação de crédito ou de arrendamento mercantil, como é o
caso do financiamento de veículos, sendo proibida a cobrança cumulativa.[1]
Podemos
concluir, de pronto, que, dentre outros custos, a TC serve, precipuamente, para
analisar a vida financeira do consumidor, se este preenche o mínimo de
credibilidade para financiar seu veículo.
Ora,
tal prática é um ônus da empresa a fim de se resguardar, pois, caso quisesse de
fato apenas repassar esses custos, solicitaria uma lista de documentos a serem
apresentados pelo consumidor, como fazem outros órgãos. E ainda que se pugnasse
pela legalidade dessa taxa (o que julgo ser uma irresponsabilidade), a
segurança financeira que procura o concedente de crédito não pode ser repassa
ao consumidor de forma obscura, haja vista que não é de todo transparente tal
repasse, onde não são estipulados que tipo de serviços foram de fato realizados
e, ademais, a consulta aos cadastros de proteção ao crédito, por vezes, não
trazem ônus individuais já que pagam mensalidades para que possam pesquisar a
situação de seus possíveis clientes.
Nesse
passo, pode-se, tranquilamente, afirmar que no caso da cobrança da TC não há
contraprestação alguma, ferindo os preceitos fundamentais de uma relação de
consumo, onde só se deve pagar por algum produto ou serviço efetivamente
prestado ao consumidor e, no caso em tela, o serviço está sendo prestado unicamente
à financiadora.
A cobrança de toda e
qualquer tarifa pressupõe a contraprestação de um serviço, o que não ocorre
neste caso, já que não existe um serviço prestado ao consumidor, mas, sim, um
serviço prestado à própria instituição financeira e em seu interesse único.[2]
Esclarece
ainda a Ilustre Presidente do PROCONBRASIL, Gisela Simona:
O posicionamento
público dos Procons quanto à ilegalidade dessa tarifa de cadastro é de extrema
importância, visto que muitos consumidores estão pagando esses valores, em
especial, nos contratos de financiamento de veículos. Os Juizados Especiais de todo País concordam com nosso posicionamento,
pois a legislação que visa a proteção do consumidor prevalece sobre normas
internas do Banco Central.[3]
Pois bem. Superada a breve análise acerca da TC, passamos a
analisar o Seguro de Proteção Financeira – SPF, na prática.
Apesar de o SPF ser facultativo, o que se verifica é que na
verdade se trata de venda casada, isso porque as financiadoras condicionam o
oferecimento de taxas “convenientes” de juros à aderência desse seguro, que
denominam como um “benefício”. Assim, só garantem taxa de juros a menor se o
consumidor aderir ao SPF.
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento
de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites
quantitativos;
Não se pode camuflar tal prática com outra denominação que
não seja a venda casada, pois, além de ilegal, seria desleal com o consumidor e
um verdadeiro “faz de conta”, tornando obscura a real intenção do comerciante.
O termo venda casada quer em sua essência vedar o
consumo/aderência forçada a um produto ou serviço, e o caso em tela impinge o
consumidor a aderir tais práticas.
O QUE DIZ A LEI: A Venda
Casada é expressamente proibida pelo Código de Defesa do Consumidor - CDC (art.
39, I), constituindo inclusive crime contra as relações de consumo (art. 5º,
II, da Lei n.º 8.137/90).
A Lei 8.137 / 90, artigo
5º, II, III tipificou essa prática como crime, com penas de detenção aos
infratores que variam de 2 a 5 anos ou multa.
E a Lei 8.884 / 94, artigo 21º, XXIII, define a venda casada como infração de ordem econômica. A prática de venda casada configura-se sempre que alguém condicionar, subordinar ou sujeitar a venda de um bem ou utilização de um serviço à aquisição de outro bem ou ao uso de determinado serviço.
E a Lei 8.884 / 94, artigo 21º, XXIII, define a venda casada como infração de ordem econômica. A prática de venda casada configura-se sempre que alguém condicionar, subordinar ou sujeitar a venda de um bem ou utilização de um serviço à aquisição de outro bem ou ao uso de determinado serviço.
Pelo Código de Defesa do
Consumidor, a Lei 8078 / 90, artigo 39º, “é vedado ao fornecedor de produtos ou
serviços, condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento
de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites
quantitativos”.
E pela Resolução do Banco
Central nº 2878/01 (alterada pela nº 2892/01), Artº 17, “é vedada a contratação
de quaisquer operações condicionadas ou vinculadas à realização de outras
operações ou à aquisição de outros bens e serviços”.[4]
Assim, resta claro a
proteção dada por toda a legislação pátria, inclusive, prevendo pena de prisão
aos que insistem na prática da venda casada.
Isso sem contar que, caso o consumidor reaja ingressando com
ações judiciais, acaba ficando com “restrições” no sistema de informações das
empresas e, por essa razão, as operações que forem necessárias, futuramente,
são propositalmente dificultadas, quando não, impossíveis de se realizar.
Já que tais práticas são tão evidentes quanto à lesão ao
consumidor, por que subsistem? Certamente o quantum
despendido com indenizações judiciais é ínfimo perto da lucratividade, ou
seja, compensa prosseguir com uma gestão irresponsável e desleal, cerceando o
direito de escolha do consumidor que se vê sem saída, à deriva.
Contudo, verdade seja dita, a falta de fiscalização efetiva
também contribui com as condutas ilegais, não por vontade dos entes incumbidos
de fiscalização, mas pela ausência de investimento de pessoal suficiente para
tanto, o que pode ser proposital, já que é interessante para toda a máquina
estatal e empresária a lucratividade, haja vista a incidência de impostos e
outros benefícios indiretos.
Por fim, a mensagem que fica é de que o hoje consumidor,
quando amanhã comerciante, possa recordar seus lastimáveis momentos de opressão
e frear os abusos praticados e, claro, que os órgãos competentes possam
desencadear operações e agir com afinco para inibir a ocorrência dessas e
outras práticas ilegais.
[1]
SANTOS, Cristiana. A cobrança da
Tarifa de Cadastro nos financiamentos de veículos é legal? Disponível em: http://www.politicalivre.com.br/artigos/cobranca-da-tarifa-de-cadastro-nos-financiamentos-de-veiculos-e-legal/,
acessado em 17/12/2012.
[2]
SIMONA, Gisela. Taxa de Cadastro. Disponível em: http://www.procon.sp.gov.br/noticia.asp?id=3050
, acessado em 17/12/2012.
[3] Ibdem.
[4]
SANTA CATARINA, Procon. Venda Casada. Disponível em: http://www.procon.sc.gov.br/index.php/orientacoes-ao-consumidor/290-venda-casada,
acessado em 18/12/2012.